segunda-feira, 16 de março de 2009

Choveu perfeito assim (13/03)



São Paulo nunca chove certo. Sempre chove errado. Ou chove fininho demais que nem molha o asfalto – porque gramas em São Paulo quase não se vê - ou então, chove tempestade que alaga os bairros menos afortunados.

A última dessas chuvas, fez um estrago danado aqui pertinho de casa. Na frente do meu prédio tem três árvores lindas. Quase todos os dias – porque quando está frio até eles têm preguiça – acordo com o canto dos pássaros que moram nelas. E então, meu dia começa tranqüilo, bonito. Mas voltando às árvores, ou melhor, voltando à tempestade, a última delas derrubou um monte de galhos e troncos no meio da rua. Um montão mesmo. Ninguém subia. Ninguém descia. Os carros tiveram que dar volta no quarteirão, e aí então puderam ver outros galhos derrubados pela mesma chuva na rua de cima.

Mas hoje choveu perfeito. Choveu como há muito não chovia. Choveu direitinho, com pingos, nem tão finos – que não molham – nem tão grossos – que machucam. Choveu chuva de interior. Chuva de fazenda. Chuva com cheiro de chuva. Chuva perfeita.

Quando chovia perfeito assim e eu ainda era criança, eu gostava de tomar banho de chuva. E gostava de usar vestido. E ele ficava todo molhado. E brincava com o pé na água, pisando na lama que a chuva fazia. E abria os braços e rodava na chuva, olhava pro céu para ver Deus. Em dias de chuva perfeita, Deus está lá, escondido no algodão branco olhando que olha para Ele.

Depois quando já não era tão criança assim, mentia para mim mesma que tinha que comprar alguma coisa e esquecia o guarda-chuva e ia andando na chuva deixando a água da chuva cair em mim.

Um dia, quando eu já era grande e estava tão brava com o mundo e choveu perfeito assim, eu nem me preocupei em mentir. Saí chorando na chuva e todo mundo que passou não viu porque eu já estava tão molhada que ninguém sabia o que era choro ou o que era chuva.

Mas hoje, quando choveu perfeito assim, eu só fiquei na minha janela olhando a chuva cair. Eu ia tomar banho, mas quando olhei lá para baixo eu vi duas meninas da idade entre quando eu ainda era criança e quando não era mais tanto tomando banho de chuva. E elas brincavam, e rodavam, e jogavam água uma na outra e abriam os braços e olhavam pro céu.

Eu nem consegui me mexer. Nem para pegar a câmera. Tinha medo que aquela visão desaparecesse. Então fiquei ali, sentada na sacada olhando até que deixou de chover perfeito e começou a cair uma chuva fina e as meninas foram embora.

E o que era para ser apenas uma chuva perfeita, se transformou para mim, numa obra de arte.

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