quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Sò mais um desabafo



As vezes a gente escreve sò para gente e as vezes a gente quer compartilhar com o mundo.

Muitas vezes - na maioria delas - escrevi para mim mesma, para me desabafar, para colocar para fora o que sentia, o que pensava ou apenas uma ideia louca que ficava fervilhando na cabeça.

Algumas vezes escrevi para me compartilhar. Foi o que aconteceu com o post anterior. Eu precisava colocar para fora o milagre que tinha sido dar a luz ao meu terceiro filho. E fiquei feliz por faze-lo. Como fiquei feliz que algumas pessoas tenham visto e comentado. Alias, algumas delas eu sabia que acompanhariam e outras foram surpresa.

Mas é claro que quando a gente faz alguma coisa esperando algo em troca a gente sempre corre o risco de se decepcionar. Algumas pessoas que eu esperava que compartilhassem esse momento comigo, nao o fizeram. Apenas "deixaram para depois" ou "deixaram para là". Talvez por nao ter sido tao importante para elas quanto foi para mim. Vai saber!!!!

Tambem demorei para escrever de novo porque tinha que me sentir forte para escrever e colocar para fora sem novamente esperar algo em troca. Dessa vez é sò um desabafo.

Nao espero que leiam. 

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Nasci de novo


Gravida de 38 semanas, as 16:18 do dia 15 de setembro de 2010 senti uma contraçao...

Ufa! Passou



Mas deu lugar a uma dor tao intensa que eu mal conseguia respirar. Liguei para o meu marido e pedi para ele deixar tudo o que estava fazendo - ele tinha ido buscar o resultado do exame de urina que eu tinha feito no dia anterior - e vir urgente para casa. Eu precisava ir ao medico.

A dor nao ia embora. E eu so conseguia comparà-la aos métodos de torturas mais ardilosos.  Era como uma faca de corte de um lado, serrilhada do outro  - igual a do Rambo, lembram? - entrando pela barriga e sendo torcida la dentro. Tive certeza de que naquele momento eu falaria até que sou filha biològica do Bin Laden criada por Sadam Hussein e que estava no Brasil com o intuito somente de destruir o monumento do Cristo Redentor. Tudo para que alguem parasse de me torturar daquela maneira.

 Assim que o Cleber chegou, eu gritei: VAMOS PARA O MEDICO AGOOOOORA. Ele tentou me carregar no colo. Tarefa humanamente impossivel jà que deitar parecia aumentar ainda mais o que sentia. Andar entao nem se fala. Tudo o que eu queria era ir flutuando até a porta da frente. Mas mesmo assim tive que fazer força e colocar uma perna na frente da outra e me sentar no banco da frente do carro.

Ele: - Vamos para Bragança?
Eu: - Nao! Eu nao chego até là. Vamos aqui mesmo.

Eu tinha certeza de que iria morrer. Entao gritei! Gritei o quanto pude. Nao me preocupei nem um pouco com dignidade nos meus minutos finais. Apenas queria expurgar de alguma forma a dor que eu sentia. Gritei muito. E cada vez que sentia uma pontada mais forte, gritava com bastante força na esperança que no som dos meus gritos um pouco da dor fosse embora.

Entre uma pontada mais forte e outra - e que fique bem claro que eu nao tinha nenhum momento sem dor - me lembro de levar o pensamento até meu pequeno anjo que eu carregava na minha barriga e nos meus dois filhos maiores.


Pedi a Deus a oportunidade de conhecer meu filho, ver seus olhos. Pedi para poder ver e abraçar meus dois filhos maiores de novo. Ver minha mae e meus irmaos mais uma vez. Pedi a Deus a oportunidade de poder abraçar e beijar meu marido novamente. E pedi a oportunidade de poder dizer a todos eles o quanto eu os amo.


Dor!!!!! Nao quero morrer, mas sei que tem algo errado com meu filho - e comigo tambem. De alguma forma, eu sei que vou morrer.

Dos momentos seguintes me lembro em flashes. Jà nao tinha mais forças para me manter presente e consciente o tempo todo. No Pronto Socorro fui atendida no carro. Mediram a minha pressao. Vi o rosto de afliçao do meu marido - e ele tem um rosto tao lindo. Nao combina com aquela cara de afliçao. Pensei em me despedir dele e pedir que cuidasse dos meus dois filhos tambem. A voz nao saiu. Apenas mais um uivo agonizante de intensa dor.



Entre gritos e protestos - meus, é claro - me colocaram em uma maca e fui levada de ambulancia para o hospital da cidade. Mais gritos e protestos cada vez que o motorista passava em algum buraco ou lombada. Eu queria xingar até a oitava geraçao dele. Mas tambem nao encontrei forças para isso.

Do que aconteceu no hospital me lembro menos ainda. As unicas duas lembranças que tenho foram a de ouvir o coraçaozinho jà fraco do meu filho e do rosto assustado do meu marido.

Esse marido que tanto amou o nosso filho ainda pequeno na barriga da mae estava prestes a perder os dois. Se eu fosse morrer ali, Senhor, que o rosto dele seja a ultima coisa que eu veja.


No pròximo momento de lucidez um homem vestido de verde e com uma touca verde na cabeça empurrava a minha maca.

- Eu vou morrer?
- Nao. Ninguem vai morrer aqui hoje. Nòs nao vamos deixar
- é voce quem vai me operar?
- Nao. Vai ser a Dra. Marcia. Mas vou acompanhar sua cirurgia.

Apagao.

Minha pròxima lembrança foi a de xingar o "homenzinho de verde" porque ele queria que eu passasse da maca para a cama cirurgica sozinha.

- Se voce nao fizer isso, seu filho vai morrer.

Nao sei onde encontrei forças, mas passei. Achei que jà tinha acabado quando ouvi uma voz de uma mulher, tambem de verde , dizendo:

- Preciso que voce se sente para aplicar a anestesia.

Que complo é esse? Estou sendo abduzida por seres verdes alienigenas que se comprazem da dor alheia?

Tà! Là vou eu mais uma vez encontrar forças onde achei que nao existia mais e gritei para alguem pelo menos me ajudar a levantar. Nem sei se tomei a anestesia, nao senti. Sò sei que me deitaram novamente.

Agora sim iria acabar. Mas eis que o tal "homenzinho de verde" belisca minha barriga duas vezes e pergunta se estou "sentindo isso". Disse sim, nas duas vezes, afinal eu sentia mesmo.

- Desculpe mae, mas nao podemos mais esperar.

Pensei comigo - Primeiro, nao sou sua mae. E o que nao vai dar para esperar?

Foi sò quando senti o bisturi passando na minha barriga que entendi o que nao dava para esperar. Tà que a dor nao era nada comparada aquela outra dor. Alias, acho que jà estàvamos intimas porque eu conseguia senti-la, sabia que estava ali doendo para caramba, mas nao me espantava mais. Nem gritar eu gritava. Talvez nao tivesse mais forças. Ou talvez estivesse apenas poupando minhas ultimas para o que estava por vir.

Poucos minutos depois ouvi o choro do meu filho. Um choro forte. Um choro saudàvel.

- Ele està bem?  
- Ele està òtimo. Levanta a cabeça um pouco para ver ele. Foi a primeira vez que ouvi a voz da terceira pessoa de verde. Deduzi que fosse a Dra. Marcia - Ginecologista Obstetra de plantao.

Meu filho foi colocado em um bercinho - mais parecido com uma caixa - transparente e enquanto eu o olhava conseguia distinguir algumas palavras trocadas pelos dois cirurgioes.

Ela: - Alguem liga para a casa da minha mae e pede para pegar minha filha na escola que estou em uma cirurgia agora e nao vou poder sair.
Ele: - A placenta nao esta saindo. Vamos ter que tirar o utero.
Ela, dessa vez, se dirigindo a mim com cara de anjo apesar da mascara verde: - Tivemos uma complicaçao no seu parto. Seu utero rompeu e a placenta esta inserida, grudada nele. Vamos ter que tirar o utero, tudo bem?

 Eu nao disse nada. Apenas balancei a cabeça assentindo.  

Mas no estado de torpor que eu estava, se tivessem dito que teriam que amputar as duas pernas eu teria balançado a cabeça do mesmo jeito.

Alguem no telefone da sala: - Onde està o sangue que pedimos? Se o sangue nao vier agora vamos perder a paciente.

Epa! Acho que falaram de mim. Mas meu nivel de concentraçao era cada vez menor. A unica coisa que me mantinha viva naquele momento era a visao do meu filho no berço transparente em algum lugar a minha direita. - Por que ele é tao branco? -

Nao! Ele nao era Gasparzinho o Fantasminha Camarada. E sò depois é que eu soube que eles passaram talco no meu filho. 

Ela para mim: - Correu tudo bem, viu? Agora vai vir uma enfermeira limpar voce e te levar para o quarto. Voce deu um susto na gente. Trabalho neste hospital hà 10 anos e voce foi o caso mais grave que jà peguei. Voce nasceu de novo

Ele para mim: - Se voce tivesse demorado mais 10 minutos para chegar nao teriamos conseguido salvar nem voce, nem o bebe.

Para resumir, tive ruptura de utero. A sorte é que sangrou para fora. Se tivesse sangrado para dentro do utero, teria sufocado o bebe. Fizeram a remoçao do utero porque nao tinha como salva-lo. Ainda bem que salvaram a nòs.

Nao me lembro dos rostos, nem mesmo dos nomes de todos que contribuiram para que eu estivesse aqui hoje. Sei que o "homenzinho de verde" se chama Dr. Moura e a "mulher de verde" se chama Dra. Marcia. Da anestesista nao sei o nome, mas me lembro do rosto dela. As enfermeiras que me ajudaram foram muitas. Meu marido se lembra da Sandra - e eu realmente nao me lembrava dela - e da Andrea - que passou a primeira noite cuidando de mim com muita atençao. Me lembro da Dra. Rosa que me acompanhou na ambulancia e do rosto da enfermeira que foi com ela cujo nome nem sei qual é. E tambem do rosto da enfermeira loira. Essa eu ja tinha visto outras vezes, mas nunca me lembrei de perguntar o nome.




 Nos dias que se seguiram a cirurgia, algumas vezes me peguei sentindo menos mulher. Nao poderei mais gerar filhos - nao que eu ainda quisesse ter mais. Me senti menos merecedora de pertencer a classe feminina e até mesmo menos merecedora do amor do meu marido - que foi fundamental para o meu processo de recuperaçao fisica e psicologica tambem.




Estar com ele naquele momento pòs parto, sentir seu amor, seu carinho e atençao foram muito importantes para mim. Acho que sò ai foi que tive certeza absoluta que o amor que ele tem por mim é o mesmo amor que tenho por ele. E, como disse uma amiga minha, a Célia, "... e esse momento que vcs dois passaram juntos...só vcs 3, o medo, a dor, a cumplicidade, a preocupação, pode ter certeza que tudo isso foi pra solidificar ainda mais esse amor entre vcs dois...Deus não faz nada errado..."

Depois que tudo passou é que me dei conta do quanto deve ter sido dificil para ele tambem passar por tudo isso sozinho, sem saber ao certo o que estava acontecendo. Ninguem falava nada, porque na verdade, ninguem sabia de nada. Quando levaram nosso filho para o berçario e as lagrimas de emoçao encheram seus olhos, veio tambem a notica que eu ainda estava em cirurgia e ainda corria risco de vida. Seu choro, sua emoçao de ser pai ficou represada. Em seu lugar veio o medo e a angustia de nao saber o que se passava la dentro.

Sei que ele foi forte. E agradeço a Deus por te-lo em minha vida.


Quando me dei conta do que perdi, tambem me dei conta do que ganhei.

Ganhei a oportunidade de poder ver, abraçar e beijar meus dois filhos mais velhos novamente e tambem minha mae e irmaos. 





 
Pude novamente olhar nos olhos do meu marido e dizer o quanto eu o amo e o quanto sou feliz por ser sua esposa.


Pude conhecer meu terceiro - e ultimo - filho.


Por isso que quando me lembro de tudo, ao inves de me lamentar por tudo o que passou, eu fecho meus olhos e agradçoi a Deus. Agradeço muito. Agradeço estar viva. Agraço ter meu filho Renzo em meus braços. Agradeço poder olhar para o Guilherme e para a Luana. Agradeço sentir o abraço quente do Cleber ao redor de mim. Agradeço o conforto do colo da minha irma - e alma gemea. Agradeço ter meu irmao de novo por perto. Agradeço poder ver minha mae.

Hoje sei que perdi um utero mas ganhei a minha vida de novo. Agora tenho duas datas para comemorar o milagre de estar viva.

Parabens para mim!!!!

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